quinta-feira, 12 de outubro de 2006

Entrevista Especial

É difícil encontrar com ídolos. Mais difícil é entrevistá-los. O entrevistado de hoje é um ídolo de muitos, mas odiado por tantos outros. É um ícone do jornalismo esportivo brasileiro. O nome dele? José Carlos do Amaral Kfouri. Se eu falar só isso poucos podem identificá-lo logo de cara. Se eu falar Juca Kfouri........

Juca é formado em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo e já trabalhou nas mais prestigiadas empresas de comunicação do país, tais como Editora Abril (Placar e Playboy), SBT, Rede Globo, Tv Cultura, RedeTv e Lance!. Hoje ele é colunista da Folha de São Paulo e comentarista da ESPN Brasil, no Linha de Passe e, às vezes, no Bate-Bola e Sporstscenter. Tem também um programa de rádio na CBN, o CBN Esporte Clube de segunda à sexta das 20h às 21h. E tem o Blog de maior sucesso da internet brasileira, o Blog do Juca, cujo o endereço voces encontram aí ao lado, nos meus favoritos.

Recentemente foi lançado um livro sobre ele. "Juca Kfouri - O Militante da Notícia", escrito por Carlos Alencar. O livro conta desde o engajamento do jovem Juca (se filiou na ALN - Aliança Libertadora Nacional, onde adotou o codinome Bira, em homenagem a Ubiratan, seu ídolo do basquete) até as desavenças com personalidades do esporte (como Pelé) passando pela a entrada no jornalismo esportivo.

A entrevista aconteceu na CBN, em uma terça-feira de muito frio na capital paulistana. Confira.


Craque de Blog: Juca, voce se lembra da sua primeira ida ao estádio? Qual foi o jogo?

Juca Kfouri: Brasil 5, Argentina 1, em 1959, no Maracanã. Escrevi a respeito no livrinho "Meninos, eu vi". Fiquei admirado com a atuação de um ponta-direita da Argentina, o Nardielo que, descobri anos depois, simplesmente não jogou.

Craque de Blog: E, de todas as vezes que voce foi ao estádio, qual aquela que mais te marcou e por que?

JK: A decisão do título paulista de 1977, por motivos óbvios...

Craque de Blog: Você tem idéia de quantos estádios você já freqüentou ao redor do mundo? E, destes, qual te marcou mais?

JK: Bom, o que marcou mais emocionalmente foi o Sarriá, que está demolido, felizmente. Mas do ponto de vista da imponência, da arquitetura, é esse estádio novo lá de Munique (Allianz Arena), embora eu tenha achado ele muito frio. O Stade de France também é muito legal, lá em Saint Dennis, o estádio de Turim, o Delle Alpi, é muito interessante. São estádios todos que eu freqüentei atrás da seleção brasileira, nas copas todas que fui, 82, 86, 90, 94, 98 e 2006.

Craque de Blog: Juca, como fazer para manter uma boa relação com as fontes? Como saber em quem confiar?

JK: Cultivá-las com o devido distanciamento e não temer perdê-las quando a notícia for mais importante que elas. Em última análise, jornalista não tem amigos, que dirá fontes.

Craque de Blog: O povo brasileiro é apaixonado por futebol, mas isso não se reflete nos estádios. Por que?

JK: Primeiro eu acho o seguinte: A gente tem que por um pouco o pé no chão em relação à paixão do brasileiro pelo futebol. Eu tenho hoje quase convicção em te dizer que o inglês gosta mais de futebol do que o brasileiro, que o argentino gosta mais de futebol que o brasileiro, que o italiano gosta mais de futebol que o brasileiro. Essa coisa que nós somos o país do futebol, eu acho que nós somos o país do futebol mais bonito do mundo, não necessariamente o povo mais apaixonado por futebol. Todas as pesquisas que pega de torcida, você nota que o contingente de gente que não se interessa por futebol, é maior que a torcida do Flamengo, é maior que a torcida do Corinthians. Então acho que aí tem um pouco a explicação para isso. Mas acho que mais que isso, a explicação está nas péssimas condições oferecidas ao torcedor no Brasil. É tratar o torcedor feito gado! É aquilo que eu digo sempre, embora eu viva disso, seja apaixonado por futebol, e ache incomparável a emoção de estar no estádio e estar na poltrona, eu não me sinto em condição de estimular a pessoa a ir a campo. Eu conto sempre isso, eu tenho três filhos homens, um de 33, outro de 31 e um de 15. O de 33 e o de 31 iam comigo para o campo desde os 3, 4 anos de idade. Não entendiam nada, eles iam fazer piquenique, corriam para lá e para cá na arquibancada, compravam sorvete, voltavam imundos e iam comigo para o campo sem nenhum problema. O Felipe, que é meu filho adolescente, que tem 15 anos, não foi 20 vezes ao estádio na vida dele. E quando foi, foi ver Corinthians x Operário do Mato Grosso, sempre jogos de uma torcida só. E teve um episódio com ele, ele tinha uns 12 anos que é absolutamente exemplar. Jogariam Corinthians x Palmeiras no domingo, na segunda-feira ele falou para mim: “Vamos nesse jogo pai?”, e eu disse: “Vamos!”. Na sexta-feira ele virou para mim e falou: “O jogo vai passar no Pay-Per-View?”, eu falei: “vai, vai passar” e ele repondeu: “Então vamos ver no Pay-Per-View!”. E eu falei: “Mas porra Felipe, é muito mais legal ver no campo!”, E ele: “Vamos ver no Pay-Per-View”. Bom, mas por que? Você tem medo de ir ao campo?, “Sim”. É claro que esse medo no caso dele, é um pouco estimulado por uma coisa que o André e o Daniel viveram um pouco menos, que é o fato de eu ter me tornado uma pessoa notória. Então tem sempre torcedor que te provoca, que te xinga à distância, ô Filho da puta, corintiano. Tem um componente disso. Mas se não houvesse o risco da porrada, nas cercanias do estádio, coisa tal, acho que seria desagradável mas ele saberia que não acontece nada, o cara xinga quando está longe. Se pensar que um moleque de 12 anos, apaixonado por futebol, tenha medo de ir a campo, e é uma idade que você não tem medo de nada, dá a medida, entende?

Craque de Blog: Antigamente, o público nos estádios era maior. Quais os fatores desta queda?

JK: Bom, eu acho que tem uma que o futebol era uma das poucas formas de lazer que voce tinha na São Paulo, no Rio de Janeiro dos anos 50 e 60 e hoje tem uma baita concorrência dos Cinemark, dos não sei o que né. Mas eu acho que tem muito a ver e, isso de novo não é só achismo, é comprovado por pesquisas, qual é o principal fato que nego diz que o afasta do estádio? É o medo, a violência ta. Vem antes de fórmula do campeonato, evasão de craques para a Europa. O primeiro item é sempre medo. É curioso que você vê São Paulo e Chivas com 70 mil pessoas, e não vê São Paulo e Corinthians com 70 mil pessoas, porque principalmente em clássico o cara prefere não ir, pra evitar o confronto. Então eu volto a dizer, há uma concorrência da vida moderna, o futebol tem concorrentes hoje que não tinha há 40 anos atrás. No entanto, eu acredito que, se nós tivéssemos hoje no Brasil a situação que passou a viver a Inglaterra nos anos 90, no começo da década de 90, teria mais público no estádio do que você tem.

Craque de Blog: Como fazer para prevenir que ocorram incidentes nos estádios, como os de domingo no Gre-Nal?

JK: Para mim esta muito claro: é vontade de fazer. Você tem legislação que te permite fazer e não faz porque até hoje não caiu a ficha nas autoridades de que isso pode ser inclusive um baita elemento eleitoral. Imagina um presidente da república que diga na sua plataforma que quer terminar o mandato e que o torcedor comum tenha voltado ao estádio, como eu fui ao estádio quando eu era moleque, e faça isso. Na Inglaterra era muito pior do que aqui, você sabe disso. Olha o que eles foram fazer em Bruxelas caralho. (nota do Craque de Blog: Final da Copa dos Campeões da Europa, no dia 29 de Maio de 1985 entre Juventus x Liverpool. Uma hora antes da partida começar os hooligans ingleses foram para cima da parte destinada para a torcida da Juventus, que teve de recuar. Nisso os italianos ficaram esprimidos com um muro e o muro desabou em cima deles, matando 39 pessoas (32 italianos, 4 belgas, 2 franceses e um irlandês). O jogo foi 1 x 0 para a Juventus, que se sagrou campeã. Esse desastre é conhecido como a hora mais negra nas competições européias. Como resultado o Liverpool foi banido por 6 anos das competições européias e os outros times ingleses por 5 anos) E os caras tiveram peito. E o que é. É uma legislação forte, um apoio de inteligência, preventivo. A Inglaterra chegou em um momento que, cada estação de metrô, tinha 5 policiais. Para evitar a presença dos caras, a autoridade está aqui, é melhor a gente não se meter a besta. É ter punição. Aquele que pisar fora, ta perdido. Esse vai em cana, fica proibido de ir ao estádio, tem que se apresentar aos domingos, entendeu? Agora, isso dá para fazer, mas o que a gente vê aqui: As autoridades, a cada crise, aparecem 15 minutos. E os cartolas, como não estão minimamente preocupados com o nosso futebol, na verdade, estão preocupados com os próprios bolsos e apenas isso. E são burros, eu digo sempre isso, são ladrões de galinha. São conluiados com os cambistas, tudo isso que você está cansado de ver. Você pega um clube organizado como o São Paulo e num jogo do São Paulo com a Ferroviária, que não existe mais praticamente, pega São Paulo e Guarani, no Morumbi, e você tem dificuldade para comprar ingresso. E vão 4 mil pessoas e tem fila de meia-hora. É o destrato absoluto. Agora na Europa, você compra ingresso no supermercado, nas grandes lojas de departamento. Outro dia eu fui ver com a minha mulher um Real Madrid e não sei quem e, na última hora me deu vontade de ir ao jogo. Falei para ela: “Quer ir?” Lá você vai ao jogo como se vai a uma peça de teatro. Era um sábado às 10:00 da noite o jogo. Fomos ao Corte Inglês, que é uma grande loja de departamentos na Espanha inteira, compramos dois ingressos e fomos para o estádio. Chegamos 40 minutos antes, brasileiro né. E o que aconteceu, estádio vazio. 10 minutos antes Thiago, tinha 70 mil pessoas no estádio. Um puta frio, aquecimento entre os degraus da arquibancada, que a gente tem que tirar o capote. Porra. É claro que você vai dizer peraí, é a Europa. Não precisamos chegar a esse ponto, até porque não precisamos de aquecimento no estádio, talvez em Porto Alegre, 4 meses por ano. Mas nós tínhamos condições de organizar minimamente dentro das condições brasileiras e não se faz!

Craque de Blog: Em 2003 a média de público do campeonato brasileiro foi de 10.342 e a média de gols de 2, 89. Em 2004 as medias de público e de gols caíram para, respectivamente, 8.085 e 2,78. Em 2005 a média de público foi de 13.539 e a de gols foi de 3,13. É possível fazer um paralelo entre a média de gols e a média de público?

JK: Acho que não necessariamente. O que tem aí é que o torcedor ta aprendendo a conviver com o campeonato de pontos corridos, ta caindo a ficha de que de fato todo o jogo vale, acho que esse ano ainda vamos ter uma média um pouquinho maior. Nunca se esqueça nessas médias, e isso aí é histórico né, 2005 o Corinthians foi campeão, isso leva a média para cima, porque a torcida do Corinthians faz isso, como a do Flamengo. Você pega as duas maiores médias da história do campeonato brasileiro, são do Flamengo 82 e 87. 22 mil e 20 mil né. É, então tem a ver com isso, ao passo que nos outros anos o Flamengo esteve muito mal e Corinthians chegou a fazer uma final com o Santos e perdeu em 2002. Mas eu acho que, há uma gradativa evolução na média, que tem a ver muito mais com o aculturamento em relação à fórmula de pontos corridos. Mas é claro que, se a qualidade do espetáculo fosse melhor, e isso se traduz em gols, tudo bem. Agora fica aquela coisa do ovo e da galinha, ou do Tostines. Tostines vende mais por que é fresquinho, ou é fresquinho por que vende mais? Nós vendemos jogador por que o estádios estão vazios, ou os estádios estão vazios por que nós vendemos jogador? Essa é uma equação para mim óbvia, que o cartola não está preocupado em resolver. Você pega o caso do Santos, cai dois raios no mesmo estádio em um espaço de 40 anos, e os caras me vendem! O cara que era, no mundo globalizado, o cara para levar o Santos de novo, próximo ao Santos de Pelé, e desfaz aquele time em um ano!

Craque de Blog: Até que ponto a atual forma de disputa do campeonato brasileiro (pontos corridos), ajuda ou prejudica a ida do público aos estádios?

JK: A atual forma de disputa do campeonato brasileiro, está influenciando a subida da média de público, e tende a melhorar.

Craque de Blog: Por que na Libertadores os estádios estão quase sempre cheios e no brasileirão não?

JK: Essencialmente porque é um jogo que não embute nenhum risco. O cara sabe que vai ter no máximo 1.500 argentinos, 800 mexicanos. Blog interrompendo: Mas em um jogo São Paulo e Fortaleza, também não vai ter muita torcida do Fortaleza, mas mesmo assim não lota o estádio! Juca: É verdade, mas aí tem a importância dos dois campeonatos né, e tem é claro, a questão do mata-mata. Aquele jogo é decisivo, se perder cai fora, tenho que ir prestigiar meu time.

Craque de Blog: A maior parte do dinheiro do país está concentrado nas regiões sul/sudeste. Mas há anos vemos os times da região norte/nordeste lotando os seus estádios enquanto paulistas, cariocas, mineiros e gaúchos não. Por que?

JK: Eu acho que, primeiro o nordestino gosta mais de futebol do que as outras partes do Brasil. Acho também que no Nordeste tem menos influência a concorrência que o futebol tem no Sul maravilha. Os ingressos, em média, são mais baratos também. Acho que isso tudo tem uma influência direta. Agora, eu te diria o seguinte: De certa forma, de certa forma, não é uma coisa absoluta, mas no Nordeste, vive-se em relação ao futebol ainda, um clima parecido com o que se vivia aqui com relação nos tais anos de ouro, em presença de público, entende? O futebol era a grande a diversão. E você veja, que é curioso você observar, mas você tem muitos menos casso de violência no Pará, em Pernambuco, na Bahia, no Ceará, do que você tem no Rio, em São Paulo, em Minas, no Rio Grande do Sul.

Craque de Blog: A melhor média de público registrada em campeonatos brasileiros foi de 22.953, no campeonato de 1983. É possível alcançar esse número de novo? E quais as medidas a serem tomadas para que isso aconteça?

JK: Thiago, eu acho que é possível, mas é aquilo que eu te disse, eu sou obcecado por isso, eu toda a semana publico a média da rodada. Eu não vejo razão nenhuma para a gente não ter uma média de 30 mil, os estádios cabem. Mas é aquela história, eu remo contra. Eu hoje, quando eu posso, levanto a bola, não leve seu filho ao campo. E acho que as pessoas responsáveis têm que fazer isso. Qual é o meu temor hoje? É que esse idiotas que não se dão conta que estão matando a galinha dos ovos de ouro é o seguinte: eu aprendi a ir ao estádio de futebol, levado pela mão do meu pai. E eu fiz isso com dois dos meus filhos, que provavelmente farão com os filhos deles. O Felipe não vai fazer isso com o filho dele. Porque o Felipe foi muito pouco a futebol comigo. O Felipe é meu companheiro de futebol no sofá. Blog interrompendo: e isso vai fazer a média cair a longo prazo! Juca: É claro! Leia um livro fantástico do Nick Hornby, Febre de Bola. Já leu? Blog: Já vi o filme. Juca: Bom, você viu o filme. Você saca que ali, o que tem ali, como é que uma relação difícil entre pai e filho, se resolvia legal aonde, no campo de futebol do time dos dois entende? Tem um vínculo afetivo aí de pai para o filho e o futebol, que é do cacete. E isso está se perdendo. Você está criando o torcedor de poltrona. Às vezes, o grande relacionamento deles é ir ao futebol. No domingo, o pai pega o carro, ou o ônibus põe o moleque dentro e vai para o campo de futebol. E aí é a tua tarde com o teu pai.


Craque de Blog: E quais as medidas necessárias a serem tomadas para que nós tenhamos tudo isso?

JK: Acho que é ter a gestão profissional do futebol. É o presidente do Corinthians ser o presidente de uma multinacional. É o presidente do Flamengo, com essa marca na mão, ter a cabeça do presidente da General Motors. E não esses malucos que dirigem o nosso futebol.

Craque de Blog: Se voce pudesse escolher 11 jogadores para formar uma equipe dos sonhos, quem voce escalaria?

JK: Banks, Carlos Alberto, Baresi, Figueroa, e Nilton Santos; Falcão, Beckembauer e Didi; Garrincha, Maradona e Pelé

Craque de Blog: Voce é certamente uma das pessoas que mais faz orelhas de livros. Como voce atingiu esse status?

JK: Sei lá, Pergunte aos malucos que pediram. Devo ter fama de orelhudo...

Craque de Blog: Por falar em livros, cite os três melhores que voce já leu?

JK: Grande Sertão Veredas (Guimarães Rosa), Memórias do Cárcere (Graciliano Ramos) e o Crime do Padre Amaro (Eça de Queiroz), para ficar só nos em português. Tal e qual o time dos sonhos, essa é uma pergunta, na verdade, irrespondível.

Craque de Blog: Voce já jogou e gosta muito de basquete. Como vê o atual momento do basquete brasileiro? Concorda com a afirmação que o Brasil no basquete é hoje como o Uruguai no futebol, já foi bicampeão, mas parou no tempo e hoje é do segundo ou terceiro escalão do basquete?

JK: Sem dúvida. Nosso basquete perdeu a mão

Craque de Blog: Para fechar, o Corinthians escapa do rebaixamento? O Leão será capaz de tirar o time da degola?

JK: Temo que não, nos dois casos.

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