sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Entrevista Especial

Depois de uma semana conturbada, com direito a ficar sem computador, volto a postar aqui no Blog. E não é um post qualquer.

É uma entrevista com o Paulo Vinícius Coelho, o PVC, um dos melhores jornalistas esportivos do país. PVC é comentarista da ESPN Brasil e colunista do Diário Lance!.


Blog: PVC, há quanto tempo você freqüenta estádios de futebol? Dos estádios brasileiros, qual o melhor para assistir a um jogo, nos quesitos organização, conforto e respeito ao torcedor?

PVC: A primeira vez que fui a um estádio de futebol eu tinha 5 anos. 5 para 6 anos. Eu digo 5, mas na verdade eu já tinha completado 6, fui ver Portuguesa x Juventus, Campeonato Paulista de 1975, a Portuguesa venceu por 2 x 1. Vamos lá, eu não conheço todos os estádios, por exemplo eu nunca fui na Arena da Baixada, que para muita gente é o melhor estádio brasileiro hoje. Então, sem conhecer, digamos que eu votaria na Arena da Baixada. O Pacaembu é um estádio muito gostoso de ver futebol, porque você vê de perto. Agora, o estádio que mais evoluiu dos que eu conheço, o que mais melhorou, é o Morumbi. O Morumbi melhorou em relação ao que tinha no passado. Por exemplo, no anel das numeradas, não tem mais fila para comprar lanche, porque não tem mais lanchonete, tem aqueles vendedores de Habibs que passam por lá. Teve evolução. A Vila Belmiro melhorou muito, embora continue sendo um estádio desconfortável. Eu acho que o Morumbi é um bom estádio para ver futebol, o Maracanã é um estádio gostoso de ver futebol. Estou falando de conceito antigo, ou seja, estar bem situado para ver bem o jogo. O Morumbi por exemplo não deixa bem situado quem está na arquibancada.

Blog: O povo brasileiro é apaixonado por futebol, mas isso não se reflete nos estádios. Por que?

PVC: Eu acho que tem algumas coisas. Primeiro, o Brasil talvez não seja o país do futebol, de assistir futebol. O Brasil é o país do futebol porque todo mundo adora jogar futebol. É diferente da Itália por exemplo. A Itália segunda-feira, você vê todo mundo com um jornalzinho cor de rosa embaixo do braço. (nota do blog: o jornal em questão é a Gazzetta dello Sport, um dos mais vendidos no mundo.) Porque as pessoas estão habituadas a ler e querem ter informação de futebol. Porque são apaixonadas pelo Milan, pela Inter, pela Lazio, pela Juventus. O Brasil é assim também um pouco, mas as pessoas não lêem e freqüentam pouco os estádios. Eu acho que tem duas questões aí que são muito fortes. Primeiro, o futebol não tem um gerente de marketing, um gerente de produto. O Clube dos 13, a CBF, o futebol não tem esse cara. Então, há mais de 20 anos, você tem médias de público que variam de 10 a 22 mil, o recorde de público é do campeonato de 1983, 22 mil pessoas por jogo, ano em que o Flamengo foi campeão. E isso nunca se superou. E hoje você fala: Ah, no passado era diferente, não era! Em 1983, já se falava que não tinha público no estádio e já se olhava para trás, e olhando para trás, não se via público no estádio. A média histórica do campeonato paulista era de 7 mil pessoas por jogo. Então, recorde de público mesmo, recorde de público em um campeonato no Brasil, é do campeonato carioca de 1976, que tinha 26 mil pessoas por partida. E 26 mil é muito menos que os 38 mil do campeonato alemão hoje. Pode passar no passado pela questão do poder aquisitivo, no passado não passava pela questão da violência porque se tocava menos nisso. Embora há mais de 20 anos se toca nesse ponto. Eu acho que tem uma questão importante, senão fundamental que é trabalhar o futebol do ponto de vista do marketing. Dizer para as pessoas o que tem de bom em ver uma partida de futebol. Há mais de 20 anos a gente ouve pessoas dizendo: não vá ao estádio. E, nos últimos 7 anos, muita coisa melhorou para quem vai ao estádio e não se toca nesse ponto. Por exemplo, não tem fila no Morumbi para comprar lanche no intervalo da partida. É uma das coisas que melhoraram. Por exemplo o sistema de venda de ingressos em jogos comuns, embora continue existindo muitos problemas em jogos decisivos, em jogos comuns é muito mais fácil comprar ingresso, você pode comprar ingresso pela internet, coisa que você não podia tempos atrás. E outra questão, muitas vezes é difícil freqüentar estádios fora do Brasil também, como é difícil freqüentar estádios no Brasil. Então a gente passa muito a impressão de que tudo no Brasil é uma porcaria e fora não é. No Brasil tem muita coisa muito difícil e o futebol precisa cuidar disso e precisa fazer evoluir muito mais do que evoluiu nesses 7 anos que eu estou citando. O futebol precisa evoluir da mesma maneira que o cinema evoluiu. O cinema estava acabado no meio dos anos 80, e as pessoas vão ao cinema hoje, embora tenham o DVD em casa, porque o cinema tem mais conforto, porque o cinema tem a poltrona acolchoada, tem o lugar para colocar o seu refrigerante. Tem uma tela que evoluiu, o sistema de som que melhorou. E o futebol precisa melhorar na mesma proporção. Mas o futebol precisa contar para as pessoas passo-a-passo que ele dá, pra não deixar as pessoas reproduzindo coisas que não são necessariamente verdadeiras. (interrompendo: Então o aumento de público passa em transformar o futebol em espetáculo?) Passa por transformar o futebol, transformar os estádios em uma casa que abrigue com mais conforto quem quer visitá-la, mas passa também por avisar as pessoas que essa evolução está acontecendo. O futebol não avisa.


Blog: Como fazer para prevenir que ocorram incidentes nos estádios, como os do último Gre-Nal, de Corinthians x River?

PVC: O principal, bom, o fundamental é acabar com a sensação de impunidade. E o que isso significa? Colocar arruaceiro na cadeia. E avisar as pessoas que ele está na cadeia e continua na cadeia. Enquanto isso não acontecer, todas as outras medidas são paliativas. Todas. Agora, você pode fazer a casa de espetáculo melhorar, para abrigar o torcedor e, que fica mais confortável, e que tenha mais dificuldade em criar problemas. Só que isso também vai ser um paliativo se você não modificar o tipo de público que vai ao estádio. E eu não estou aqui pretendendo que se modifique, mas o que aconteceu na Inglaterra, que é sempre exemplo, passou por elitizar o futebol. E isso a gente muitas vezes esquece.

Blog: Até que ponto a atual forma de disputa do campeonato brasileiro (pontos corridos), ajuda ou prejudica a ida do público aos estádios?

PVC: Acho que uma coisa não está relacionada com a outra. Durante muito tempo se falou: Ah, o futebol brasileiro precisa dos pontos corridos. Ter uma tabela que seja respeitada. E isso é muito mais respeitado hoje. Você pega a tabela hoje e vê todo mundo com o mesmo número de jogos. E isso era uma das coisas apontadas para levar o público aos estádios. Não passa por aí. Passa por respeitar, ter uma seqüência de trabalho. (interrompendo: O brasileiro ainda não tem a cultura de que, em campeonato de pontos corridos, todos os jogos são decisivos? É por isso que ele não vai aos estádios?) Acho que ele tem essa cultura. Em 4 anos ele já percebeu isso. Que o jogo que fez falta foi aquele lá atrás. E a média de público tem melhorado. Como melhorou de 96, para 97, de 97, para 98, de 98, para 99. (interrompendo: Mas em 98 e 99, o campeão foi o Corinthians, que é um time de massa.) Tudo bem, mas se você pegar a melhor média de público da história, foi o Flamengo campeão. Se você pegar as 5 maiores médias de público do campeonato brasileiro, 4 foram em anos em que o Flamengo foi campeão. O que eu quero dizer é: o Corinthians foi campeão em 98 e 99 mas, em 1998, a média foi de 14 mil pessoas por jogo e em 1999, foi de 17 mil. E com o Corinthians campeão nos dois anos. E o que aconteceu ali. A mesma fórmula foi repetida. Quando você repete a fórmula, o cara começa a perceber. E isso está acontecendo no brasileiro. Porque em 2003 tivemos 10 mil para 8 mil em 2004, para 13 mil 2005. Hoje estamos em 11 mil e pouco. Projetando para o final do campeonato, ela vai subir para 14 mil. Então ela está subindo ali, 7 ou 8% por ano. É um trabalho longo, gradual e que passa de novo pelo marketing. Passa por avisar para as pessoas. Meu, é legal ir ao estádio, vá ao estádio. Enquanto você tiver gente falando assim: é uma porcaria ir ao estádio, não vá ao estádio, as pessoas não vão. Agora, aumenta a fluência de público, o público melhora. Pouco a pouco, gradativamente. E a gente está aqui falando do futebol não atrair o público aos estádios, o que é a pura verdade se a gente avaliar o campeonato inteiro, e o campeonato tem que ser avaliado como um produto, mas a média de público do São Paulo na Libertadores nos últimos anos é de 47 mil pessoas por jogo. Porque o São Paulo conseguiu dizer para a sua torcida que o que conta para ele é a Libertadores e que, na Libertadores, ele é bem tratado. Ele é bem tratado porque o time dele ganha, e porque o Morumbi melhorou como estádio. O são-paulino que vai ao estádio tem essa noção. Tem essa noção de ir até lá com uma certa freqüência. Embora ele ouça seguidas vezes que é uma porcaria, para ele não ir ao estádio.

Blog: A melhor média de público registrada em campeonatos brasileiros foi de 22.953, no campeonato de 1983. É possível alcançar esse número de novo?

PVC: Acho que é muito viável que isso aconteça em um curto espaço de tempo. Se você pensar nos 4 maiores campeonatos do mundo, a Alemanha tem média de 38 mil pessoas por jogo, a Inglaterra 36 mil pessoas por jogo, a Espanha tem uma média que varia na casa de 31 mil pessoas por jogo e a Itália cai ano a ano. A Itália já teve 35 mil pessoas de média de público e hoje tem 26 mil por jogo. A Itália não está distante desses 22 mil que nós falamos de 1983. O quinto campeonato da Europa há alguns anos atrás, que seria o Francês, bateu seu recorde e atingiu 23 mil pessoas na temporada 2000/2001. Ou seja, 1000 pessoas a mais, em média que o Brasil. Era o recorde da França e isso aconteceu há seis temporadas. Agora, a França está um pouco abaixo disso, deve estar com 20 mil pessoas por jogo mais ou menos. Se você pensar nessa evolução que eu citei no final dos anos 90, com rupturas, em 1996 teve o caso da virada de mesa do Fluminense, em 1997 a média de público caiu, vinha tendo uma reação. Caiu para 10 mil em 97, subiu para 14 mil em 1998 e 17 mil em 99. Era uma evolução grande. De 14 para 17 mil pessoas por jogo, vai dar 25% de aumento. Era um aumento significativo. O aumento hoje não está sendo tão significativo, mas é um aumento que tem acontecido. De 11 para 13 mil, é razoável. Se subir de 13 para 14, pode subir para 15 mil, é razoável. Agora, isso tem que ter um trabalho coordenado, sabendo que está acontecendo. O que não pode é você e eu sabermos disso e, se bobear, a CBF não sabe que isso está acontecendo. Para entender qual é esse movimento e saber o que está faltando para que esse movimento seja maior. E isso passa de novo por aquilo que eu falei, ter um gerente de produto, um gerente do produto futebol, que interprete e que pense no futebol e na evolução deste produto. Isso não tem! Se tiver, fica mais fácil esse número chegar mais rápido há 26, 27 mil pessoas por jogo.

Blog: O dinheiro que resulta das bilheterias para os clubes é bem pequeno no Brasil, cerca de 10% do faturamento, diferente da Europa, aonde um terço da renda dos clubes vêm da bilheteria. Por que não é muito importante para eles que o estádio esteja cheio, o que importa para os dirigentes é o dinheiro da televisão?

PVC: Essa é uma visão torta do princípio ao fim. Eles pensam que o torcedor não é importante porque são burros mesmo. Agora a questão é assim. Historicamente, a fluência de público nos estádios brasileiros é baixa. A gente chegou a essa conclusão vendo isso. É só pegar os números. Mesmo quando era 22 mil pessoas por jogo, era baixa. Quando eram 26 mil pessoas no campeonato carioca de 1976, era um número considerável mas, historicamente a fluência é baixa. Quando o cara descobriu que a televisão queria pagar e a receita da televisão cresceu, ninguém fez nada para essa receita da bilheteria, aumentar. Por que, percentualmente a receita da bilheteria era maior, porque as outras receitas não existiam. Agora, o que o cara não consegue entender é o seguinte: Se a tua receita (da bilheteria) for um terço, primeiro, você vai depender menos da televisão. Mas tem outra questão, você vai ter um terço e isso significa que o seu estádio estará sempre lotado. Se o teu estádio está sempre lotado, você vai vender mais placa de publicidade por um preço melhor, você vai vender mais o anúncio da tua camisa por um preço melhor, você vai arrumar com mais facilidade outros parceiros, porque a sensação de quem olha para o teu produto, para quem vê o teu time em campo, ouve um burburinho e vê a arquibancada lotada é: Putz grilo, todo mundo gosta desse produto aqui, então eu também tenho que fazer parte disso. Agora, quando você olha para os estádio vazios, você diz: Pô, a televisão está passando, mas ninguém quer saber disso aqui não. Está vazio! É como você passar em um bar, olhar e falar: vamos nesse bar aqui ou vamos naquele lá. Esse aqui está vazio e aquele está lotado. Você vai entrar em qual? (Blog.: No lotado.) você vai entrar no bar que está lotado, porque o que está vazio te passa à sensação de que o que ele está te vendendo é uma porcaria. (Interrompendo: E isso acontece mesmo que o bar que está lotado seja mais caro.) Exatamente! Essa relação de produto que o futebol não entende. Por exemplo, o Mustafá Contursi (ex-presidente do Palmeiras) costumava dizer que não ia abaixar o ingresso, o preço do ingresso, porque não ia fazer política do pão e circo. Digamos que ele esteja até certo. Agora, por que ele não pode abaixar o preço do ingresso se isso for o sinal de que ele vai lotar o estádio, se ele vai ter a mesma receita com o estádio lotado e o ingresso mais baixo, a mesma receita de bilheteria, não é melhor para ele mostrar que o estádio está lotado? Agora, ele não pensa assim. Não estou dizendo que o ingresso tem que ser mais barato. O estádio é que tem que estar cheio. E você tem que viabilizar o estádio cheio.

Blog: A saída cada vez maior e mais cedo dos nossos jogadores influencia na falta de público? Qual a saída para estancar essa evasão enorme de jogadores?

PVC: Quando a gente vê Flamengo x Vasco com 45 mil pessoas e o Maracanã lotado. Lotado porque não cabia mais ninguém porque está em reforma. Você descobre que o que leva público ao estádio não é o jogador, não é o craque, é a camisa. É a camisa! Você não vai deixar de perder jogador, vai continuar perdendo, isto é inevitável. Enquanto a sua moeda for 2 vezes e meia inferior ao Euro, você vai perder jogador de maneira inevitável. Não tem o que fazer. Agora, você pode concorrer com a Rússia, com a Ucrânia, com a Bulgária. Você pode não perder jogadores para essas economias inferiores. Como? Criando o tal círculo virtuoso. O público já vai ao estádio em busca da camisa. Ele não vai em busca do craque. Ele quer ver Flamengo, Vasco, São Paulo e Corinthians. Se o São Paulo tiver Kaká, melhor. Mas se tem Danilo, ele lota o estádio para ver o Danilo também. Como tem acontecido na Libertadores. Então você tem que criar soluções objetivas, como o São Paulo cria na Libertadores, para que o cara vá em busca da camisa dele. Vá ver o jogo. Vai aumentar a receita de bilheteria. Talvez, com isso, você aumente a receita de patrocínio. Você pode até negociar melhores preços de televisão. Arrecadar mais dinheiro, ficar mais competitivo e conseguir manter o jogador aqui. Um pouco do que o Internacional pensa em fazer, não criando esse círculo virtuoso, mas tentando criar um outro círculo, que é , de alguma maneira, tentar resolver uma parte desse problema. O que o Internacional achava, que ele só conseguia revelar jogador de ponta, quando voltou a revelar. Então revelava Nilmar e Daniel Carvalho. Como revelava esse tipo de jogador e não tinha dinheiro, tinha que vender os dois. Então vendeu o Nilmar e o Daniel Carvalho. Qual foi a receita que ele consegui fazer para diminuir essa sangria? Revelar jogador mais ou menos. Começou a revelar alguns jogadores intermediários. E vendeu um ou outro jogador intermediário. Para que? Para conseguir manter jogadores de ponta, como Rafael Sóbis que, bem ou mal, ficou nesta temporada. É um círculo diferente, ele está resolvendo tudo em função da venda. Você pode criar um outro tipo de círculo virtuoso, que é: eu chamo o torcedor, o torcedor me dá receita, aumenta a receita de outras fontes. Aumentando a minha receita, eu tenho mais dinheiro e consigo manter uma parte dos meus jogadores aqui. Tudo isso é plano, planejamento!

Um comentário:

Anônimo disse...

prbs conseguiu entrevistar o pvc!