quinta-feira, 10 de abril de 2008

FIFA ameaça Andrew Jennings

Para quem não o conhece, procure conhecer. Andrew Jennings é um jornalista inglês cuja a especialidade é expor a sujeira no mundo do futebol. Leia-se na FIFA. Ele fez, em 2006, dois documentários expondo a corrupção na hora da escolha da sede do mundiais e o escândalo da venda de ingressos para a Copa do Mundo por comissários da FIFA. Os vídeos estão no YouTube (A pressa não me permite achá-los agora).

Hoje o Terra Magazine mostra uma matéria falando sobre um lobby que a FIFA está fazendo para a Inglaterra ser a sede da Copa de 2018. E tem também uma ameaça do assistente do presidente da FIFA, Joseph Blatter, para o simpático velhinho Andrew Jennings. Palmas para Jennings, só ele é capaz de desvendar tudo isso. Leia a seguir a matéria do Terra Magazine.



Fifa faz lobby para Inglaterra sediar Copa-2018


Ezequiel Fernández Moores
De Buenos Aires, Argentina

"Se você é suficientemente homem, nos vemos cara a cara. Farei você saber quando e onde". O autor da ameaça bem poderia ser um barra pesada do futebol argentino. Mas não. Trata-se do assessor especial do presidente da Fifa, Joseph Blatter, e também "assessor estratégico" da Associação de Futebol da Inglaterra (FA), que aspira a ser sede da Copa do Mundo de 2018. O homem que exerce essa dupla função se chama Peter Hargitay. E o receptor de sua fúria é o jornalista britânico Andrew Jennings, autor do livro Foul!, sobre corrupção na Fifa.


A fúria recente de Hargitay contra Jennings se produziu quando o jornalista perguntou à FA se havia contratado o assessor por seus vínculos com a ABI, uma agência de seguros especializada em rastrear contas bancárias secretas, eventuais pagamentos de subornos e inteligência financeira.

A FA, que perdeu a sede do Mundial de 2006 em uma dura disputa com a Alemanha, respondeu a Jennings que Hargitay não tem vínculos com a ABI, mas com a firma ECN, e considerou apenas uma coincidência o fato de que ambas as empresas tenham compartilhado escritórios e telefones em Zurique há um tempo. Hargitay já divulgou a ECN como uma firma com "poderosas estratégias" para manipular a imprensa.

Seja com a ABI, que descobre contas secretas e pagamentos de subornos, ou com a ECN, que manipula a imprensa, Hargitay, segundo sugeriu Jennings no diário escocês Sunday Herald, poderia ser um homem ideal para que a Inglaterra não se deixe surpreender outra vez e obtenha ao preço que for a sede do Mundial de 2018.

Foi essa sugestão que alterou o humor de Hargitay, que ameaçou Jennings da maneira que indica o início dessa reportagem e o acusou de lançar "mentiras patológicas, insinuações e livres interpretações", segundo uma carta que o jornalista inglês retransmitiu a Terra Magazine.

Em 2002, pouco antes de assumir como assessor de Blatter, Hargitay ofereceu a Jennings que se somasse a uma suposta equipe de comunicação da Fifa. Apresentou-o no hotel Ritz de Madri, dizendo quem era e o que fazia, e poucos dias depois ofereceu esse posto quando voltaram a se reunir no bar El Pirata, de Londres. Disse também que estava "impressionado pelo seu trabalho profissional".

Jennings não aceitou a oferta, mas pediu a Hargitay que lhe desse as notificações judiciais que a Fifa recebeu pela quebra da ISL, sua ex-agente comercial. Hargitay respondeu que isso era impossível, mas convidou Jennings para participar de uma reduzida coletiva de imprensa com Blatter, que acabou se enfurecendo ante as perguntas do jornalista britânico.

As tentativas para seduzir, neutralizar ou comprar o silêncio de Jennings com um posto de trabalho caíram definitivamente quando o jornalista começou a rastrear o passado de Hargitay, o homem contratado primeiro por Blatter e depois pela Federação inglesa.

O primeiro dado inquietante que encontrou Jennings foi que Hargitay, filho de uma família que deixou a Hungria em 1956 e com estudos na Suíça, havia sido contratado pela Union Carbide. Trata-se de uma empresa norte-americana que buscou cuidar de sua imagem depois da acusação de ter provocado a tragédia mais grave da história do mundo industrial: um vazamento de gás tóxico em 1985 em Bhopal, Índia, que matou cerca de 16 mil pessoas e afetou outras 500 mil.

O segundo foi ter trabalhado para fazer a imagem de Marc Rich, um empresário condenado nos Estados Unidos por evasão e chantagem e que colaborou com o regime racista que governou durante décadas a África do Sul do apartheid. O próprio Hargitay chegou a ser preso em 1995 na Jamaica, acusado e finalmente declarado inocente de tráfico de cocaína.

Durante essa averiguação, Jennings suspeitou que seus telefones estavam grampeados e a própria polícia confirmou que ele mesmo estava sendo investigado por desconhecidos. "Para quê a FA contratou um homem como este?", perguntou Jennings em um artigo recente publicado no Sunday Herald. "Saberá a FA que corre o risco de ser acusada de contratá-lo para espiar pessoas que, eventualmente, podem se opor à postulação inglesa pelo Mundial de 2018? Ou que o contratou para que espie contas secretas dos líderes da Fifa para descobrir se aceitaram subornos?", questionou Jennings.

Seu artigo apareceu somente horas depois que finalizaram, na semana passada, as audiências na cidade suíça de Zug pela quebra da ISL, o ex-agente comercial da Fifa. O caso impressionou o mundo dos esportes, semanas atrás, quando um dos três juízes do tribunal, Marc Siegwart, denunciou que a ISL pagou propina a dirigentes por uma valor de US$ 140 milhões.

O único dirigente com o nome mencionado e acusado de receber duas transferências num total de US$ 130 mil foi o paraguaio Nicolás Leoz, presidente da Conmebol, que se reuniu há alguns dias em Assunção para debater o veto da Fifa a jogos na altitude e outras questões, mas que segue em silêncio absoluto sobre esse tema.

A última sessão de um juízo que é quase ignorado pela maior parte da imprensa esportiva se celebrou em 3 de abril em Zug. Nela, Daniel Beauvois, um dos seis executivos do processo, acusou diretamente a Fifa de haver provocado a quebra da ISL para criar uma nova empresa que assumiu os direitos dos Mundiais de 2002 e 2006.

O tribunal suíço censurou a imprensa a não difundir dentro daquele país os nomes dos acusados, segundo estabelecido por estritas leis de privacidade. Mas todos os meios já haviam citado especialmente a Jean Marie Weber, ex-diretor da ISL, velho amigo de Blatter e, segundo os demais processados, o único homem que sabe perfeitamente quais dirigentes esportivos receberam as propinas pagas pela empresa quebrada. A sentença do tribunal será conhecida no próximo 2 de julho.

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