domingo, 17 de julho de 2005

A bola é o lar

Moradores de rua se preparam para participar da Copa do Mundo de Sem-teto, na Escócia. Confira as histórias destes boleiros

Um ex-interno da Febem, um homem que por causa do vício na jogatina ficou sem dinheiro algum, um químico que perdeu esposa e filho em acidente de carro, outro que, por rebeldia, fugiu de casa... São esses alguns dos enredos de vida dos jogadores que defenderão o Brasil, entre os dias 19 e 24 de julho, na Homeless World Cup (Copa do Mundo de Sem-teto), em Edimburgo, na Escócia . A competição, que terá 32 equipes e vai para a terceira edição, é promovida pela Internacional Network of Streetpapers (INSP), uma associação de revistas sobre moradores de rua, também sediada na Escócia.

A Seleção Brasileira foi recrutada pela Ocas (Organização Civil de Ação Social), entidade não-governamental de São Paulo que faz a edição brasileira da revista. A publicação é vendida a R$ 1 para os sem-teto e eles a comercializam por R$ 3, conseguindo assim dinheiro para arrumar abrigo e tirar seu sustento. Os oito jogadores que defenderão o Brasil na Copa do Mundo foram escolhidos por seu desempenho na venda de revista, na assiduidade aos treinos e no comportamento em geral. Sendo assim, a qualidade técnica não foi levada em consideração. Isso não acontece em todas as seleções. A equipe portuguesa, por exemplo, é formada por jogadores selecionados de um campeonato nacional da modalidade.

- Você pode perceber que eles não são grandes jogadores de futebol. A idéia é mais social. Procurei enfatizar mais a preparação física, que pode melhorar o desempenho deles, em vez de muitos treinos com bola - explica Flávio Puppo, treinador da equipe brasileira.

Com o aspecto técnico posto em segundo plano, a idade dos jogadores é muito variada. O mais novo, Dário Bertolucci, tem 28 anos, e o mais velho, Augusto de Paula Viana, tem 69 e é chamado pelos companheiros de "seu Augusto", em sinal de respeito.

Nascido na cidade de Canoas (RS), Dário fugiu de casa aos 19 anos por causa da má relação com o pai e a madrasta. Morando em São Paulo, trabalhou um tempo em uma instituição religiosa Hare Krishna e, depois de sair de lá, ficou desempregado. Sem recursos, acabou morando na rua até começar a vender as revistas e mudar-se para um albergue. Ele afirma que sempre foi adepto de esportes radicais, principalmente skate, mas nunca jogou futebol. Esta será a segunda vez que defenderá o Brasil na competição. No ano passado, esteve com a equipe em Gotemburgo, na Suécia, quando não passaram da primeira fase.

- O resultado é o que menos importa. O legal foi entrar em contato com os moradores de rua de outros países e perceber que existe miséria em todo canto - destaca Dário.

Cláudio Bongiovani, de 53 anos, também vai para o seu segundo mundial. Formado em química pela Universidade Federal de Minas Gerais, uma tragédia marcou a sua vida. Em uma viagem pelo interior de Minas, sua esposa, um filho de 4 anos, uma sobrinha de 7, o cunhado e a sogra morreram em um acidente de carro. Depois disso, Cláudio "entrou em parafuso", segundo sua própria definição, e acabou ficando sem onde viver. Com a ajuda de duas psicólogas que conheceu em trabalhos sociais foi para a Ocas e agora defende o Brasil.
Apesar da finalidade social da competição, a equipe brasileira não se esqueceu da preparação. No começo de julho, os seis jogadores da equipe residentes em São Paulo (há mais dois do Rio de Janeiro) ficaram quatro dias em um pequeno sítio de São Roque (SP), numa espécie de concentração. Lá treinaram todos os dias em dois períodos para tentar um bom resultado na Copa do Mundo.

Ex-viciados ganham prestígio com futebol (Box)
Antônio César, de 32 anos, passou 18 deles na Febem (Fundação de Bem-estar do Menor), por, segundo ele, cheirar cocaína. Um dos únicos jogadores com alguma habilidade na Seleção Brasileira de sem-teto, ele é citado como um modelo de conduta por todos, já que sempre participa dos treinamentos e exige disciplina dos companheiros.
- Ele é impressionante. Não é mais consumidor de drogas e participa sempre dos treinos - destaca Guilherme, presidente da Ocas.
O vício também esteve presente na vida de Marcos José Dias, de 35 anos. Ele perdeu todo o seu dinheiro nos mais diversos tipos de jogos e ficou atolado em dívidas. Por causa disso, foi morar na rua e forçado a abandonar a mulher e seus dois filhos. Agora, com o dinheiro obtido na venda das revistas, tenta se reerguer. E comemora o fato de, jogando pelo Brasil, obter reconhecimento.
- Ano passado, lá na Suécia, fomos tratados como celebridades porque o pessoal gosta dos brasileiros.

Recepção sueca (Box)
Marcos José Dias, goleiro da Seleção Brasileira de moradores de rua, passou por um episódio que ele classificou como "comovente" durante a disputa da Copa do Mundo de Sem-teto no ano passado, em Gotemburgo (SUE). Ele conheceu a sueca Lina Borjesson, que, em 2004, quando estudava música regional em Pernambuco, foi baleada e acabou ficando com parte dos movimentos da perna esquerda comprometidos. Apesar disso, ela fez questão de comparecer aos jogos do Brasil, conversou com os jogadores e ainda os levou à sua casa.
- Ela disse que o tiro havia sido uma fatalidade, mas que adora o Brasil. Foi muito tocante.
Borjesson ficou tão ligada aos brasileiros que foi ela quem entregou o buquê de flores destinado à equipe verde-e-amarela - todos os times foram agraciados.

Texto extraído da Revista Lance A+


Um comentário:

Anônimo disse...

Sim, provavelmente por isso e